Na década de 1960, cerca de 500 famílias viveram no Parque Nacional do Iguaçu

Agricultores construíram vilas com igrejas, escolas e mercadinhos até serem expulsos pelo governo. História é contada em livro de professora da Unioeste

O Parque Nacional do Iguaçu tem muito mais do que uma fauna e flora exuberantes. No entorno da reserva de 1.700km², há muitas histórias desconhecidas. Uma dessas narrativas é sobre a saga de mais de 470 famílias que viveram por lá entre 1965 e 1971 em vilas com escolas, igrejas e mercados, até serem expulsas.

A história faz parte do livro “Memórias dos Desapropriados do Parque Nacional do Iguaçu”, da professora da Unioeste Lara Luciana Leal, que acaba de ser lançado. Resultado de uma dissertação de mestrado do Programa Sociedade, Cultura e Fronteiras da universidade, a obra retrata desde a chegada das famílias até a transferência para outros lugares, após a necessidade de desapropriação.

Para fazer a pesquisa, Lara entrevistou alguns pioneiros que viveram nas comunidades, que chegaram a reunir cerca de duas mil pessoas. Nessa lista estão Marcos Mallman, Tateo Welter, Ivo Hanauer, Maurício Schosller e a professora Alma Matte Spies.

A própria autora, quando criança, frequentava uma das comunidades onde um tio morava.

Chegada – As famílias de colonos chegaram ao parque por volta de 1965 atraídas por terras férteis que estavam estampadas em anúncios divulgados no Rio Grande do Sul por empresas colonizadoras. A maioria vivia na região de Santa Rosa.

Ao chegar ao parque, eles se depararam com muita mata e começaram a abrir picada para plantar. A terra produtiva deu um novo alento para a vida dos agricultores, que construíram igreja, serrarias, salão de baile, mercadinhos, cemitérios, ao modo de minicidades.

Assim surgiram as comunidades de São José do Iguaçu, perto de São Miguel do Iguaçu, e outras localizadas em Foz do Iguaçu: Santo Alberto, próximo à Avenida Felipe Wandscheer, Dois Irmãos, São Luiz e Santa Luzia.

Como em qualquer outra comunidade, as vilas tinham bailes, padroeiras próprias e lanches comunitários nas escolas. Os agricultores plantavam milho e mandioca, e alguns criavam porcos. Praticavam agricultura de subsistência e, para acelerar a produção, faziam mutirões.

A vida seguia em ritmo de crescimento até que um vereador fez um pronunciamento na Câmara de Foz anunciando que o parque havia sido invadido, conta Lara. A informação chegou ao governo federal e, a partir daquele momento, tudo mudou.  

A desapropriação – A partir de então, apesar de terem documentos da terra em posse, muitos registrados em cartório, os agricultores passaram a ser tratados como invasores. “Eles não invadiram, chegaram ali com documentos”, diz Lara.

O governo retomou as terras porque uma das empresas colonizadoras não cumpriu o contrato com o Estado, que acabou tendo de reaver as áreas. No entanto, muitos lotes já haviam sido vendidos e pagos pelos colonos.

Segundo a professora, a maioria dos agricultores tinha escritura da propriedade e não entendia por que precisava sair do parque. Foi aí que eles criaram um movimento de resistência. 

A desapropriação foi bastante traumática. Funcionários do governo chegavam e informavam aos agricultores que eles não poderiam mais plantar. Alguns foram presos, como Maurício Schosller. Ele foi colocado em um camburão e trazido para Foz do Iguaçu pela Estrada Velha de Guarapuava. Aqui passou a noite e no dia seguinte acabou liberado.  

Com a necessidade de deixar o parque, o governo transferiu os agricultores para outras terras. Alguns foram para o Ocoy, em São Miguel do Iguaçu; outros acabaram vindo para Foz; e outra parte preferiu ir morar no Paraguai, na época em que o governo local incentivava a entrada de brasileiros, tempos depois conhecidos por brasiguaios.

Vestígios de algumas vilas ainda podem ser vistos no parque, onde há alicerces de algumas casas, poços, restos de cemitério e capela. (https://www.h2foz.com.br/)

 

Vilas eram bem estruturadas. (Foto: Maurício Schossler)

Crianças frequentavam escolas da comunidade. (Foto: Maurício Schossler)

Propriedades tinham documentos. (Foto: Luís Seibert)

Antiga capela ainda está no parque. (Foto: Marcelo Alberto Spies)

 

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