Entre milhões de blocos de pedra arenito, perto das margens do Rio Paraná, numa área de 8.000m²; há dois sécuos e meio, padres jesuítas e cerca de 4.500 índios edificaram a esplendorosa Redução de San Ignácio de Missiones, Argentia.
San Ignacio Miní era para ser a menor Redução Jesuítica dos 30 povos que formaram “A República dos Guaranis”, entre os anos de 1610 a 1768, quando os padres foram expulsos pelas coroas portuguesa e espanhola e, os índios passaram a caminhar errantes pelas estradas como trapos de gente. E o que foi projetado para ser menor, hoje é maior, como ruína, para ser visitada, palpada e pensada.
Das 30 Reduções, que na maturidade chegou a ter uma população estimada em 140 mil habitantes, oito estavam no Paraguai, sete no Brasil (RS) e 15 na Argentina. Das ruínas das Reduções, a maior é de San Ignacio Miní, depois a majestosa catedral de São Miguel Arcanjo (RS) e Trinidad no Paraguai. Todas são Patrimônio Histórico da Humanidade, a partir de 1984.
Para conhecer San Ignácio
De Puerto Iguazú (Argentina) até as ruínas são 240 quilômetros – Rota 12 – de excelente asfalto, com diversos trechos de 3ª pista e um único pedágio de $ 1,75 (equivalente a R$ 0,70). A rodovia vai cortando parte do Parque Nacional do Iguaçu, margeando grandes reflorestamentos com pinos e eucaliptos, plantações de erva-mate, tímidas lavouras de milho e mandioca e alguns pomares de laranja. Para se chegar a San Ignacio o sentido é sempre em direção à cidade de Posadas (368 mil habitantes, dados de 2009), que é a capital da Província de Misiones. Pequenas cidades como Wanda, Eldorado, Montecarlo (onde está o museu com fotos da infância de Che Guevara, no local onde o guerrilheiro comunista residiu juntamente com a família), El Alcázar, Puerto Rico… entre outras. O percurso pode ser feito de ônibus, ao valor de R$ 20,00 a passagem, com linhas de hora em hora, saindo da rodoviária de Puerto Iguazú.
San Ignácio fica às margens da Rota 12 e para se entrar no sítio arqueológico os argentinos cobram um ingresso de 40 pesos (menos de 20 reais), com o direito a um guia turístico, com formação histórica “para que o visitante tenha um amplo relato da estrutura física, política e religiosa da Redução”, como informa o guia Henrique López. As explicações são feitas em espanhol e caso o visitante tenha dificuldade de entendimento existe uma dezena de painéis com gravações em seis idiomas que informam a realidade histórica da edificação à frente.
As terras eram comunitárias (a tupambãé) e particulares (arambabé). Cultivava-se mandioca, milho, erva-mate, arroz, algodão, frutas, hortaliças e, principalmente, criava-se gado, a grande novidade que os padres trouxeram da Europa. “Só depois que a necessidade de alimentação fosse totalmente atendida é que o excedente era negociado.
Nas pedras as marcas do dia a dia
Sabe-se que os índios guaranis foram atraídos ao convívio dos padres jesuítas pela curiosidade, pela novidade e pelo encantamento. Nas vestes, nos ofícios religiosos, nos instrumentos de trabalho, nos presentes e, principalmente na garantia de se ter uma mesa farta e abundante, tudo fascinava e deixava para trás a vida marcada pela caça e pesca. E os 30 povos foram surgindo com uma planta básica para todas as cidades. O centro de tudo, e é o que se pode ver claramente em San Ignácio, era a igreja, com capacidade de até 2.000 pessoas no interior. À frente, uma ampla praça para atividades gerais. À direita do altar ficava os “claustro dos padres”, a despensa, a farmácia, a biblioteca, o hospital, a escola, a casa das viúvas, dos órfãos e dos idosos. Na mesma direção o poderoso cabildo – local para os governantes e caciques sendo o espaço completado com a prisão. Ao fundo a horta comunitária. À esquerda existia o cemitério, com muitos corpos enterrados tendo em vista que os guaranis e população em geral, no século XVI (1601 a 1700) tinham uma expectativa de vida entre “30 a 40 anos”, conforme dados do historiador C. Lugo. Na entrada da Redução as “vivendas”, casas que recebiam as famílias guaranis que tinham uma área de 25m² e comportavam de três a cinco índios. Detalhe curioso são as portas das “vivendas”, como pode ser visto até hoje com altura, porque os índios eram baixos, “entre um metro e um e sessenta e oito.”
O trabalho dos indígenas era dividido em três áreas: duas para tupambá (para Deus) e três à animabaé (aos homens). As terras eram comunitárias (a tupambãé) e particulares (arambabé). Cultivava-se mandioca, milho, erva-mate, arroz, algodão, frutas, hortaliças e, principalmente, criava-se gado, a grande novidade que os padres trouxeram da Europa. “Só depois que a necessidade de alimentação fosse totalmente atendida é que o excedente era negociado. Por isso, as Reduções foram experiências sui generis em economia. Nem capitalista, nem comunista, nem liberal”, palpita o guia turístico Henrique López.
Batendo em retirada
Existem dezenas de explicações para o aniquilamento da civilização cristã dos guaranis. As mais comuns são: um estado dentro do próprio estado da coroa espanhola; ser uma “República Comunista”; ataques constantes dos bandeirantes na busca de índios para o trabalho escravo. Teorias à parte, na verdade dois fatos determinaram o fim das gloriosas Reduções. A intensa campanha do Marquês de Pombal pela expulsão dos jesuítas, fato este consumado em 1760 com a deportação de 119 dos 550 padres que atuavam no Brasil; e acordos entre Portugal e Espanha pela ocupação das terras das margens do Rio Paraná e Uruguai, no Sul do Brasil que selava o fim da atuação dos padres na região missioneira.
O espetáculo final
Todas as noites às 19 horas o turista é convidado para assistir o espetáculo de som, luzes e imagens. A história é revivida através da iluminação das ruínas, presença de atores e pela narrativa emocionante da atuação dos padres junto aos índios. O show é um mergulho no tempo tendo como acompanhamento a melodia triste nas canções cantadas em guarani e espanhol. Um espetáculo de rara beleza. Imperdível e quase indescritível. (Roberto Marin)

1 Vista da frente da igreja de San Ignacio Miní. No detalhe, crianças guaranis que vivem ao lado.

2 Ruínas das “vivendas”, as casas dos índios com 25m²

Instalações do hospital, farmácia, biblioteca… tendo ao fundo a horta comunitária.

Interior da igreja com seu piso preservado

Símbolo original da Companhia de Jesus no interior da igreja

Figueira brava responsável natural pela destruição das paredes

Os caminhos de Che Guevara. Opção de turismo perto das ruínas